(Aristóteles)
Todos e cada um dos seres humanos que existiram até hoje se expressam
fundamentalmente por uma tripla dimensão: são uma individualidade
(Maria, José, João, Antônio); são seres da natureza (animal) - dependem
de ar, água, contida, ferro, cálcio, vitaminas, sais etc. e, produzem as
especificidades desta sua individualidade e natureza em relação com os
demais seres humanos. Ou seja, a individualidade que somos e a natureza
que desenvolvemos (nutridos, subnutridos, abrigados, sem teto, sem terra
etc.) estão subordinadas ou resultam de determinadas relações sociais que
os seres humanos assumem historicamente (GRAMSCI, 1978)
Diferente do animal, que vem regulado, programado por sua natureza,
e por isso não projeta sua existência, não a modifica, mas se adapta
e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam,
pela ação consciente do trabalho sua própria existência (LUKÁCS,
1978). É a partir dessa elementar constatação que Marx destaca uma
dupla centralidade do trabalho quando concebido como valor de uso:
criador e mantenedor da vida humana em suas múltiplas e históricas
necessidades e, desse aspecto, como princípio educativo:
O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil,
é indispensável à existência do homem - quaisquer que sejam
as formas de sociedade- é necessidade natural e terna de efetivar
o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e portanto,
de manter a vida humana (MARX, 1982p.50).
Nessa concepção de trabalho também está implícito o conceito
ontológico de propriedade - intercâmbio material entre o ser humano e a
natureza, para poder manter a vida humana. Propriedade, no seu sentido
ontológico, é o direito do ser humano, em relação e acordo solidário com
os demais seres humanos, de apropriar-se da (o que implica, também,
transformar, criar e recriar, mediado pelo conhecimento, ciência e
tecnologia) da natureza e dos bens que produz, para produzir e reproduzir
a sua existência, primeiramente física e biológica, mas não só, também,
cultural, social, simbólica e afetiva.
Nesse sentido, para Marx, o trabalho assume duas dimensões distintas
e sempre articuladas: trabalho como mundo da necessidade e trabalho
como mundo da liberdade. O primeiro está subordinado à resposta das
necessidades imperativas do ser humano enquanto um ser histórico-natural.
É a partir da resposta a essas necessidades imperativas que o ser
humano pode fruir do trabalho propriamente humano - criativo e livre.
É nesse contexto que podemos perceber a relevância da ciência e da
tecnologia, quando tomadas como valores de uso, na tarefa de melhoria de
condições de vida e possibilidade de dilatar o tempo livre. Nessa perspectiva
constituem extensões dos sentidos e membros do seres humanos. Desde o
tear, máquina de escrever, energia elétrica até as máquinas
informatizadas da era da eletrônica, a ciência e a tecnologia podem constituir-
se em meios fantásticos de melhoria da vida humana. Sob as relações
sociais capitalistas, veremos abaixo, constituem-se, para a maioria, em uma
força mutiladora: super exploração do trabalho e geradoras de desemprego.
A segunda dimensão da centralidade - o princípio educativo de trabalho
- deriva desta sua especificidade de ser uma atividade necessária desde
sempre a todos os seres humanos. O trabalho constitui-se, por ser elemento
criador da vida humana, num dever e num direito. Um dever a ser
aprendido, socializado desde a infância. Trata-se de apreender que o ser
humano enquanto ser da natureza necessita elaborar a natureza,
transformá-la, pelo trabalho, em bens úteis para satisfazer as suas necessidades
vitais, biológicas, sociais, culturais, etc. Mas é também um direito,
pois é por ele que pode recriar, reproduzir permanentemente sua existência
humana. Impedir o direito ao trabalho, mesmo em sua forma de trabalho
alienado sob o capitalismo, é uma violência contra a possibilidade de
produzir minimamente a vida própria e, quando é o caso, dos filhos.
A história nos mostra, como nos lembra Marx, que os seres humanos
vivem a pré-história das sociedades de classe, nas quais um grupo ou
classe dominante escraviza ou aliena os demais grupos ou classes. Uma
história onde o homem está cindido. Paulo Nosella, com base em Marx e
em Gramsci (1997) nos faz um retrospecto de como o trabalho humano
transitou do trampolim das sociedades escravocratas e servis ao labor
da sociedade capitalista e assinala o trabalho como poiésis - trabalho dominantemente
livre e criativo, como utopia da sociedade socialista.
Nos últimos três séculos o trabalho esteve regulado pelas relações
sociais capitalistas. Trata-se de um modo de produção social da existência
humana que foi se estruturando, desde o século XI, em contraposição ao
modo de produção feudal, e que se caracteriza pela emergência da acumulação
de capital e, em seguida, mediante esta acumulação, pelo
surgimento da propriedade privada dos meios e instrumentos de produção.
Para constituir-se, todavia, necessitava da abolição da escravidão, já que
era fundamental dispor de trabalhadores duplamente livres: não proprietários
de meios e instrumentos de produção e também não propriedade de
senhores ou donos. Essas duas prerrogativas os tomava em proletários
que necessitariam imperativamente vender seu tempo de trabalho.
É dessa relação social assimétrica que se constituem as classes
sociais fundamentais: proprietários privados dos meios e instrumentos de
produção e os não proprietários - trabalhadores que necessitam vender
sua força de trabalho para sobreviver. Daqui é que surge o trabalho/
emprego, o trabalho assalariado. Tanto a propriedade quanto o trabalho,
a ciência e a tecnologia , sob o capitalismo, deixam de ter centralidade
como valores de uso, resposta a necessidades vitais de todos os seres
humanos. Sua centralidade fundamental se transforma em valor de troca,
com o fim de gerar mais lucro ou mais capital. A distinção do trabalho
e da propriedade e tecnologia como valores de uso e de troca é
fundamental para entendermos os desafios que se apresentam à humanidade
nos dias atuais.
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